ISTOÉ Dinheiro: Afasta de mim esse cálice
14/03/2012
Importadores reagem à ameaça do governo de adotar salvaguardas contra os vinhos estrangeiros. A conta pode ser paga pelo consumidor. Por Luís Artur NOGUEIRA e Suzana BARELLI
Festa Nacional da Uva é uma tradicional celebração que atrai anualmente milhares de turistas a Caxias do Sul, na Serra Gaúcha. Na edição deste ano, foram consumidos 215 mil quilos de uvas ao longo de 18 dias do evento, que teve desfile cênico musical e shows com artistas famosos. Foi na abertura da festa, no entanto, após a visita da presidenta Dilma Rousseff, que os produtores de vinhos caíram na folia. “Vocês agricultores estejam certos de que têm na presidenta uma parceira,” disse a mineira Dilma, que viveu décadas no Rio Grande do Sul, aos participantes do evento. Era o sinal verde do Planalto para o estudo de uma série de salvaguardas e medidas comerciais que, se implementadas, vão encarecer e reduzir as opções de vinhos para os consumidores brasileiros.
Retrocesso: Ciro Lilla, da importadora Mistral, diz que o setor de vinhos pode voltar
ao fim dos anos 1980, com poucos rótulos e de qualidade duvidosa.
Num momento sensível para a economia brasileira, em que o governo tenta combater a chamada guerra cambial, os fabricantes nacionais reclamam da “invasão” de vinhos importados. Uma análise fria dos números, no entanto, mostra que as reivindicações deles não se sustentam. O que está em jogo é o prestigiado e rentável mercado de vinhos finos, que, no ano passado, movimentou 92 milhões de litros no Brasil. Desse total, 78,8% são produtos importados, que vêm principalmente do Chile, da Argentina e da Itália. Mas para entender o problema é preciso analisar o mercado inteiro, que inclui os vinhos de mesa e os espumantes, elevando o volume consumido para 343 milhões de litros.
Aí se verifica que, ao contrário do que ocorre em relação aos vinhos finos, esse imenso mercado é amplamente dominado pelos produtores nacionais, que detêm uma fatia de 77,4% (veja quadro ao final da reportagem). “Estamos investindo em tecnologia, mas precisamos de pelo menos cinco anos de proteção para colher as primeiras safras de uva e produzir os vinhos”, diz Alceu Dalle Molle, presidente do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), que representa os produtores nacionais. Para dar tempo às vinícolas brasileiras de se preparar para enfrentar a concorrência dos estrangeiros, articula-se em Brasília dobrar o imposto de importação dos vinhos europeus e adotar salvaguardas, como a criação de sobretaxas.
Proteção preventiva: Alceu Dalle Molle, do Ibravin, quer salvaguardas para reduzir
a concorrência estrangeira.
O tema está sob análise dos técnicos da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, que estão averiguando os documentos encaminhados pelo setor vitivinícola. O governo precisa comprovar a prática desleal pelos estrangeiros para justificar as salvaguardas. Atualmente, apenas uma medida desse calibre está em vigor, contra a importação de coco ralado. “Além de ter um efeito parcial, já que a Argentina estaria isenta da medida por ser do Mercosul, a salvaguarda fatalmente vai gerar retaliações de outros países, prejudicando nossas exportações”, afirma Raquel de Almeida Salgado, presidente-executiva da Associação Brasileira dos Exportadores e Importadores de Alimentos e Bebidas (ABBA). “E se a sobretaxa for aplicada, os vinhos importados ficarão 23% mais caros.”
Outra medida que vem assustando os importadores é a proposta apresentada pelo Ministério da Agricultura de que o rótulo frontal do vinho tenha expressões em português. Normalmente, essas informações vêm no contrarrótulo, que é afixado no Brasil. A mudança obrigaria os produtores de outros países a elaborar rótulos exclusivamente para o mercado brasileiro. “Precisamos de pressão internacional para coibir estas ações das vinícolas nacionais”, diz Jorge Lucki, um renomado consultor de vinhos. “É uma forma de acabar com o mercado do vinho europeu no Brasil.” O empresário Ciro Lilla, presidente da Mistral, a maior importadora do País, também não vê motivos para tanto agito em Brasília.
“Se as medidas propostas pelo Ibravin forem aprovadas, iremos retroceder ao fim dos anos 1980, quando as cartas de vinho tinham poucos rótulos, muitos de qualidade duvidosa”, afirma Lilla. Os especialistas em vinhos consideram antipática a posição dos produtores brasileiros. “Se a medida passar, vou propor um boicote aos vinhos nacionais”, diz Mario Telles, vice-presidente da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-SP). Os principais fabricantes nacionais preferem não falar publicamente sobre o assunto e deixam a palavra com o Ibravin. “O que ninguém explica é por que um mercado que cresceu mais que o dobro do PIB precisa de medidas radicais”, diz Lilla, da Mistral. “Se cresceu tudo isso, como pode estar em risco de colapso?”
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